quinta-feira, 23 de setembro de 2010

ARTIGO: LEVE SEU GERENTE AO CINEMA


LEVE SEU GERENTE AO CINEMA
(artigo publicado no O Globo de 24/12/89, na coluna Recursos Humanos)

O
 presente artigo faz parte de um trabalho mais amplo, com o objetivo de estabelecer uma relação entre cinema e desenvolvimento gerencial. Cinema visto aqui na sua concepção ampla de arte abrangente, e não apenas como um filme ou um vídeo didático instrucional.
Com base em experiência de vários anos na área de administração e gerência e nos estudos realizados na área de cinema como interessada e pesquisadora do tema, busco traçar uma inter-relação estreita entre o potencial e perspectivas do cinema e sua utilização como uma opção válida e atraente no desenvolvimento dos gerentes.
Em princípio, não há tema que não possa ser abordado pelo cinema. Considerando sua pouca idade, jamais antes uma arte foi tão pesquisada, discutida e analisada.
Ao lado de ser um meio de narrar histórias, o cinema, há muito, tornou-se um meio de reflexão psicológica, política, religiosa, sociológica, ética e cultural. E, como área cultural, é também um campo de mudança. Como confirma André Bazin, um dos autores que se dedicaram a elaborar uma teoria do cinema, quando responde à sua própria pergunta: “Que é cinema?” É um processo sempre em crescimento, sempre se transformando e se revelando mais (as principais teorias do cinema, de J. Dudley Andrew).
Também sobre o assunto, Orlando Senna começa a apresentação do excelente “O século do Cinema”, de Glauber Rocha, com a frase “A vida é um filme sem roteiro”. E por espelhar a vida, tem sido intensa a participação do cinema nos conflitos sociais e na problemática humana.
Desde sua invenção, em 1895, são inúmeros os temas já abordados pelo cinema de forma magistral. Através dos filmes, já foram retratadas situações e fenômenos cujas alternativas e conseqüências nos forneceram diversos exemplos de problemas, questionamentos, pontos de reflexão, obstáculos, ameaças e desafios. Exemplos que refletem verdadeiras situações de laboratórios de treinamento tal a intensidade com que os fenômenos da vida são profunda e exaustivamente abordados.
Poucos meios podem mostrar com tanta veracidade situações vividas pelos gerentes no seu dia-a-dia nas organizações: Problemas de relacionamento humano; fatores críticos envolvidos no processo de tomada de decisão; situações ligadas a falta de ética; conflitos sobre decisões que, embora boas para as empresas, podem prejudicar empregados, clientes, acionistas e até a comunidade; situações de conflitos psicológicos; busca de equilíbrio de poder; dificuldades para harmonizar diferenças individuais e outros.
O cinema pode ser mais opção de desenvolvimento gerencial, principalmente se levarmos em conta que não se desenvolve o gerente, mas o todo que é a pessoa.
Sergei Eisenstein identificou nessa pessoa não o espectador passivo, mas o espectador como co-criador, ou seja, adotando as imagens da tela como se elas corporificassem sua experiência pro - cognitiva. Ele acreditava que o auge do filme ocorre quando a mente criativa sintetiza as idéias opostas que lhe dão energia.
Também Hugo Munsterberg, um dos fundadores da psicologia moderna e que tantas contribuições trouxe à administração, em sua obra “The Film: A Psychological Study” aborda um aspecto que ele chama de desenvolvimento cinematográfico externo, que é a tecnologia do meio; e um outro, desenvolvimento cinematográfico interno, que é a evolução do uso que a sociedade vem fazendo do meio. Para ele, o cinema é um processo mental. É sabido que os sentimentos não são expressos pelo filme. Eles resultam da reação dos espectadores; nascem de seus valores, de seus condicionamentos, de seus padrões e de suas histórias de vida.
O gerente, como pessoa que é, certamente incorporará, na sua trajetória gerencial, mensagens dos filmes às situações já vividas e por viver.
MENSAGENS COMO AS SEGUINTES:
Ninguém vê o mesmo fato da mesma forma. Cada pessoa vê ângulos e verdades diferentes porque as pessoas são diferentes e projetam sua individualidade na análise e interpretação dos fatos, como mostrou brilhantemente Akira Kurosawa, em “Rashomon”.
As conseqüências que podem advir de uma informação errada e atitudes preconceituosas estão presentes no tema abordado por Sidney Pollack, em “Ausência de MALÍCIA”.
Quantas situações já vivemos nas Empresas, semelhante à descrita por Vittorio de Sica, no “Jardim dos Finzi Contini”, em que uma família judaico-italiana tenta viver em pleno fascismo, isolada em sua casa, como se nada estivesse ocorrendo lá fora. Em outras palavras, quantas vezes nos fechamos no nosso pequeno mundo, alheios ao campo conceitual da Empresa?
Uma cruel reflexão sobre o poder, suas lutas e tramas é tema abordado com maestria pelo diretor Anthony Harvey, em “Leão no Inverno”.
“Doze Homens e uma Sentença”, de Sidney Lumet, é, além de um profundo filme de denúncia, uma das mais perfeitas formas de mostrar como as pessoas trazem para o grupo e a tomada de decisão, seus valores, seus condicionamentos e seus padrões de vida.
A relação é grande e, evidentemente, não se poderia esgotar aqui: “Ensaio de Orquestra”, de Federico Fellini; “Se meu Apartamento Falasse” de Billy Wilder; “Um cidadão Acima de Qualquer Suspeita”, de Elio Petri; “Pistoleiros do Entardecer, de Sam Peckinpah; “Tempos Modernos”, de Charles Chaplin; e “Serpico”, de Sidney Lumet, em que são analisadas questões relativas a resistências, ascensão oportunística na organização, poder formal como incapaz de cometer delitos, inversão de valores, o caráter de fragmentação das tarefas e a força das pressões que impedem a mucança de culturas estratificadas.
E AINDA:
“O Leopardo”, de Luchino Visconti, no qual é prescrita uma proposta de mudanças para que “tudo fique como está”.
Em conclusão, o cinema tem a propriedade de ser um sistema de significados. Ele não se limita a narrar os enredos. Por meio do simbolismo de suas ações, também produz idéias.
Assim, por que não utilizarmos mais esse instrumento de desenvolvimento gerencial nos programas destinados aos gerentes?
Em um programa gerencial de, por exemplo, cinco dias, uma tarde destinada à exibição de um filme, escolhido de acordo com o objetivo a que se destina, seguida de discussão sobre o tema abordado e seu paralelismo com o dia-a-dia da organização, pode trazer enorme contribuição para a percepção, reflexão e vivência em situações reais.




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